TEXTO-FONTE
A FONTE SANTA
Mesmo com calor, a alegria era grande. A balbúrdia que se sentia no ar, era saudável.
Mulheres e Homens de todas as idades
coalizavam-se para a grande festa que se adivinhava. Era sempre no primeiro fim de semana de Agosto esta romaria grande, que tinha sempre uma parte
profana e outra religiosa. A primeira promovia a folia e a convivialidade; o prazer da vida e do jogo popular; e os prazeres da carne, da festa
colectiva, da gastronomia popular. A segunda promovia o silêncio e a
espiritualidade; a limpeza da alma e princípios ditos da religião... A festa
era ao Senhor São Gualter...
Este era o braço direito de S. Francisco. Tinha sido convidado — o mestre — pela rainha mulher de D. Sancho II dito, o Gordo, para propalar por palavras sábias, a denúncia daqueles que, em nome da
igreja chamada de Cristo, se serviam dela atafulhando-se de privilégios e
pretendas de roupagens e "albardas" finas, que envergonhavam a
crença verdadeira e o sacrifício do
homem crucificado: Cristo.
¾
Vais pregar princípios. Para homens e mulheres
de toda a condição. Para ti todos serão respeitados mas, os
mais pobres, sempre em primeiro lugar — ouvira ele ditas desta
forma as palavras do Mestre.
¾
Vai, vai, Gualter meu amigo. Sei que faras junto
dos homens justos, unidos pela honra e pelo trabalho a divulgação da nossa
vontade: combater os abusos dos poderosos, a ignorância e a tirania.
Era assim no século XIII e Gualter com mais dois amigos desapegados da
fortuna mas preocupados com os homens, fizeram-se aos caminhos e vieram até as
terras de Riba d'Ouro, mais propriamente as terras de gentes de Entre Ambas as
Aves: os rios Avicela e Ave.
Como eram habituados às agruras da natureza, recolhiam-se como eremitas
nas franjas ermas das cidades. Passavam os dias em conversas de ideias e
oratório com o povo anónimo e ao fim do dia recolhiam--se.
Ora se conta que havia uma fonte, ali para "Colgeses", onde
Gualter costumava dessedentar-se e meditar. Com o passar do tempo, os mais
pobres e doentes se foram chegando à fonte e o esperavam com enorme paciência.
Era ele que limpava com aquela água, sangue da terra, as feridas dos homens.
Com o tempo a passar lesto, logo se foram falando em voz baixa e depois "à-boca-cheia"
das limpezas das feridas, das dores e das pandemias que se livravam com aquele
santo homem que tinha tempo para lhes curar as maleitas, enquanto o ouviam. Era
de tal forma sábio e de tal maneira paciente, que a sua memória o registou na
história local e os seus actos humanos se transformaram em muitos milagres e a
sua sabedoria em santidade.
Assim nasceu a devoção a S. Gualter e que a vontade do povo escolheu como
patrono para denominar as festas de tradição local: as Gualterianas.
Por todos os tempos se cumpriu a tradição e se reforçou a devoção. Em
todos os tempos se fizeram feitos e factos dignos de serem contados. Eu quero
aqui referir este que me contou o Sr. António, da velha Festada de Guimarães.
No século XVIII se construiu a fonte em memória do santo, tal como se
construiu o convento franciscano. A água daquela fonte era reconhecidamente
milagrosa para muita gente e mesmo ao longo dos tempos com os justos e com os
pobres d'espírito se referiam milagres acontecidos a que nunca foi pedida
confirmação.
S. Gualter dava riqueza aos homens justos e trabalhadores. Conta-se por
exemplo que os aguadeiros da festa que a vendiam a cinco tostões o caneco a
saber a limão, iam à água ali à fonte do Santo, onde se fazia a mistela da Água
Santa:
Sumo e cascas de lima ou limão verde, roubado nas bermas do caminho.
O açúcar amarelo que vinha num pacotinho de papel no bolso e duas dúzias
de gotas de anis escarchado, que trazia o homem bem guardado no frasco do bolso
de dentro do casaco e que por vezes era misturado com bagaço de lavrador da
região. Vendido como elixir contra a sede e o mau-olhado, era com bom resultado
a fortuna do negociante durante as festas anuais ao santo. O outro milagre era
mais melindroso a deixava qualquer homem nervoso. Dizia-se que de tantas vezes
o diabo ter tentado S. Gualter que ele terá uma única vez tido o prazer de lhe
lançar uma praga ou pulha que rezava assim:
O demo ardiloso e cão
Que de macho homem és disfarçado
Qu'esta água te faça são
Sempre que sejas macho encornado.
Não sabemos se terá sido verdade esta falta de paciência do santo, mas
durante muito tempo os homens de todas as idades vinham a fonte fazer a sua
ablução demãos e braços e pés e cara e cabeça. As mulheres ficavam a ver.
Uma madrugada fresca, de forma inesperada, a mulher trabalhadeira do
Toino Marrão foi por um molho de couves a refrescar na fonte, para levar ao
mercado, quando ficou de olho pregado na pia da água. Lá dentro o qu'ela via
era um grande par-de-ditos que não havia nem cabras nem cabritos da região com
tal formação. Logo pensou no demo e correu a chamar o padre mais próximo,
qu'era o Jerónimo de Vila Verde, que só acreditou quando pegou em suas mãos no
dito par de chifres e logo ali decidiu descobrir de que homem da freguesia
andava disfarçado o demo.
Claro que quando constou o caso, não mais os homens se chegaram à Fonte
Santa e até se diz que ao chegar a festa continuam a fugir de Guimarães os
vimaranenses que restam...
Sabe-se que o par de cornos ainda não tem dono e, assim, o demo continua
a andar à solta.
As Gualterianas aí estão com toda a pujança e alegria de séculos.
Contos e lendas de URZESES,
ilustrações de Joaquim António Salgado de Almeida, Texto de Capela Miguel
(existente no dossiê Ler+Mar: Da Penha vê-se o mar”)
Fonte Santa
Todos os anos as pessoas
Juntam-se para as Gualterianas
Onde há atividades
Religiosas e profanas
S. Gualter se festeja
Um santo milagreiro
A quem a rainha pediu
Que a fé espalhasse
Pelo mundo inteiro
Gualter e dois amigos
Vieram até Riba D’Ouro
Onde encontraram uma fonte
Que se transformou num tesouro
Diz-se que a tal fonte
Em Urgeses ficaria
Nela Gualter meditava
E a água fresca bebia
Aquela água e Gualter
As feridas graves curavam
De tal forma era mágica
Que multidões ali se juntavam
E é assim que se cumpre
Uma velha tradição
Todos os anos em agosto
Há grande peregrinação
Gabriel,
Guilherme e Manuela, 4º ano, Pegada
EB 2,3 Egas Moniz |
Sem comentários:
Enviar um comentário