Era uma vez uma pequena gota de água. Arredondada, transparente,
silenciosa, parecia uma lágrima caída duns olhos tristes naquela rocha da beira
– mar.
Viu-a uma gaivota e perguntou-lhe – Que fazes tu aí?
- Estou perdida. Só me apetece chorar…
- Ora – troçou a gaivota – porque não experimentas antes voar? – e,
batendo as asas, afastou-se.
Pelas rochas íngremes subiu então um caranguejo, que ao dar com ela,
exclamou: - Olá! Porque não vens daí brincar às escondidas?
- Estou pousada num buraco, não consigo rolar…
Veio em seguida um menino com um balde cheio de búzios, conchas,
pulgas do mar.
- Oh, uma gota de água! Vou apanhá-la! Tocou-lhe com um dedo e logo a
gota, de tão leve, se lhe colou.
Ao sol brilhava como um espelho muito polido, luzia, luzia, luzia.
Como podia ser bonita um gota de água? O menino esqueceu-se do balde, das
conchas, dos búzios e ficou de dedo muito esticado a mirar a gota.
Mas, à medida que a fixava, ela ia ficando mais pequenina, mais
pequenina, mais pequenina até que desapareceu.
A gota, aflita, viu-se ir pelos ares, tão ligeira como um sopro de
vento, e quando deu por si estava muito bem instalada numa nuvem branca, tal e
qual um maço de algodão.
- Como é que cheguei até aqui? – Perguntou ela a uma das mil e uma
companheiras que estavam a seu lado.
- Foi o sol que te evaporou, que te secou. Ficaste leve como o ar e
assim subiste até cá.
Todo o dia brincavam as nuvens no céu! Mascaravam-se de cordeiros
brancos, de coelhos felpudos, de cavalos galopantes. E só quando estavam
cansadas de corridas e cabriolas se estendiam ao comprido como um lençol, muito
esticadinhas, a dormir.
Mas a certa altura, eram tantas as nuvens, tantas e tão espessas que
não havia no céu mais lugar para brincadeiras. Sentiam-se apertadas como
sardinhas em lata e, mesmo assim, cobriam o horizonte. De brancas passaram a
cinzentas, cinzentas quase negras de tão cinzentas. Pareciam agora uma manta do
escuro fumo das fábricas. Abafavam o sol, punham toda a terra numa fria
escuridão. Tiritando, encolhiam-se as gotas de água, tremelicando até que
Plim
plim
plão
Chuva de molha tolos eram aqueles chuviscos que borrifavam as ervas,
as flores, as árvores, a gente que ia passando. Mas logo os salpicos começaram
a engrossar, a chuva batia como um açoite, escorria pelos telhados, pelas copas
das árvores, encharcava os campos, punha a terra num lodaçal.
Já nada a comportava. As vertentes dos montes eram grandes escorregas
por onde as águas se precipitavam sem parança, correndo, correndo.
Plim
plim
plão
Vou sumir
No chão
E muitas gotas eram chupadas pelas profundezas da terra
Plim
plim
plão
Vou correr
Pelo chão
Enquanto outras formavam regos, regatos, ribeiros, fios de água que,
de monte em monte, de vale em vale, se iam precipitando nos rios. Seguia a
nossa gota pelo rio, largo, fundo rio Tejo onde os grandes barcos vêm aportar e
de repente… viu-se no mar. Andava nos carrocéis das ondas, enfeitados de
espuma, escondia-se nos jardins de algas, rodopiava com as sardinhas gaiatas e
prateadas. Muito tempo andou pelo mar alto, até que um dia se lembrou de voltar
à praia. Montou numa onda e
Zás Catrapás
Já cá estás!
Foi salpicar os meninos que jogavam à bola na praia. Os corpos
bronzeados brilhavam com a água. As gotas pareciam alegres pérolas de luz.
Contudo, o sol não se esqueceu delas. Tanto as aqueceu que as evaporou.
Plim
plim
plim
Ai de mim
Já fui mar
E agora
Vou pelo ar.
De novo a gotinha de água subiu para o céu. Mas desta vez os meninos
estavam tão entretidos a jogar à bola que nem deram por isso.
Luísa Ducla Soares, “ A Gota de Água”, in O rapaz que vivia na televisão e outras Histórias
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